domingo, 25 de maio de 2014

Miguel Josino vive

Miguel Josino vive

Marcelo Navarro R. Dantas
desembargador federal
Miguel Josino foi uma das maiores inteligências emocionais que conheci. Contemporâneos de faculdade na UFRN, embora sem jamais termos sido íntimos, aproximamo-nos aos poucos ao longo da vida.
Nos últimos anos, uma confraria – que hoje leva seu nome – de amigos comuns estreitou esses laços, e eu pude ver mais de perto o melhor de Miguel, muito além do brilhante profissional do Direito que ele foi, e ao qual a Procuradoria-Geral do Estado deve muito.
Quando passei momentos pessoais difíceis com a doença de Ariadna, ele achegou-se mais a nós, sempre com a intenção de apoiar e de ser útil.
Nele o gesto nunca estava longe da palavra. Nunca triste, nunca desanimado, sempre carregado das energias do Bem, sempre certo da mão de Nossa Senhora Auxiliadora em tudo, entregue de olhos fechados à Sabedoria dos desígnios de Deus.
No cotidiano, companhia agradabilíssima, conversa rica e variada, expressão de sua vivacidade, cultura e experiência.
Um homem que via tudo pelo lado melhor, que amava quanto de belo há na vida, em especial a família, os amigos, os livros, o trabalho, os vinhos, os passeios pelo mundo e a boa mesa… e ajudar os outros.
Alguém que sabia que viver e, sobretudo, conviver.
Em Miguel, jamais o confronto, jamais a agressão, jamais a rudeza. Sua natureza era conciliar, era resolver.
O falar afável, o gesto largo, o abraço eram de Miguel. Dele não era o grito, não era a mesquinheza, não era a desunião.
Um lugar na mesa está vazio. A biblioteca, portas abertas como as do seu coração imenso, à espera do seu zelador. Ficou a taça rubra pela metade, e só nos planos muitas viagens que se imaginava iriam acontecer. Os colegas estão sem o líder. Os amigos, sem o ombro infalível. Os pais aguardam o telefonema do filho atencioso. Os irmãos, a orientação segura do mano mais velho.
Karla espera o beijo de despedida do marido apaixonado, e os filhos e o neto, os conselhos e carinhos do pai e avô extremoso.
Mas a tristeza inevitável deste momento tão duro traz em si mesma – e até isso é um legado de Miguel – a alegria de poder tê-lo tido e a certeza de que ele, em verdade, não foi embora.
Porque não partirá nunca um homem que – como fez no dia mesmo de sua partida – declarava emocionado seu amor pelos amigos e distribuía a quem encontrava as flores que soube colher pelos caminhos.
Elas continuarão a desabrochar no jardins das almas que ele cativou e serão a testemunha perene de que Miguel Josino Neto continua vivo.
Vivo na mulher, nos filhos, no neto, no brilho dos olhos do pai e no sofrimento sublimado da mãe, no soluço de prece dos irmãos, em minha emoção e na de todos os seus muitos amigos, em você que me lê, em cada linha que alguém ler em seus livros, em todo companheiro a quem deu a mão, nos pobres que amparou, nos sorrisos que fez nascer, no exemplo que deu de graça, e que por isso é presente: jamais será passado.
A família de Miguel, mais que ninguém, sabe disso. E assim, fez o que ele faria. Doou seus órgãos. Dois cegos voltaram a enxergar pelos olhos dele. O sangue de duas outras pessoas está sendo filtrado por seus rins, e o de mais uma é processado em seu fígado. Enfim, seu coração generoso bate no peito de alguém!
Assim, Miguel está realmente vivo. No corpo de várias pessoas. No espírito de todos nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário